sábado, 13 de março de 2010

Diante da Lei e a inacessibilidade à justiça

Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo dirigi-se a este porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais tarde. “É possível”, diz o porteiro, “mas agora não”.
Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta, e o porteiro se põe de lado, o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso, o porteiro ri e diz: “Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala, porém, existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a visão do terceiro”. O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo e a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada.
O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta. Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido, e cansa o porteiro com seus pedidos. Muitas vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe a respeito da sua terra e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que costumam fazer os grandes senhores, e no final repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que havia se equipado para a viagem com muitas coisas, lança mão de tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Este aceita tudo, mas sempre dizendo: “Eu só aceito para você não achar que deixou de fazer alguma coisa”. Durante todos esses anos, o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei; Nos primeiros anos, amaldiçoa em voz alta o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Tornando-se infantil, e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião. Finalmente, sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está escurecendo em volta ou se apenas os olhos o enganam. Contudo, agora reconhece no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem. “O que é que você ainda quer saber?”, pergunta o porteiro. “Você é insaciável.” “Todos aspiram à lei”, diz o homem. “Como se explica que, em tantos anos, ninguém além de mim pediu para entrar?” O porteiro percebe que o homem já está no fim, e para ainda alcançar sua audição em declínio, ele berra: “Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a”. (KAFKA, 2008, p. 214)
Uma breve tentativa de interpretação deste conto que está inserido no livro O processo de Kafka, nos faz notar como é difícil entrarmos na lei (alcançarmos a justiça). O homem do campo representa aquele que não tem conhecimento da lei, aquele que mora numa cidadezinha do interior e que vem para a grande cidade lutar pelo seu direito, representa aquelas pessoas que não sabem ler nem escrever e muito menos conhecem as leis do nosso país, mas os legisladores pátrios não querem saber disso: Art. 3º L.I.C.C. – Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
O porteiro é o representante do Estado, aquele que tem a permissão de deixar entrar na “lei” segundo seus critérios de admissão. E este porteiro nosso de cada dia, está explicito pela burocracia, indiferença dos servidores públicos, imoralidade administrativa, o clientelismo, patrimonialismo, ineficiência estatal etc.
Isso não é só um problema no Brasil, em muitos países subdesenvolvidos ocorre do mesmo modo, onde os “GRANDÕES” brigam pela parte mais gorda do leitão, enquanto a população fica comendo as migalhas. Pois é, as pessoas se acostumam com muito pouco, gostam de ser cômodas, de passar o domingo na frente da TV, enquanto certos agentes políticos estão agindo de má fé com o dinheiro público. O pior é que os veículos de informação tentam nos mostram o que está acontecendo no cenário político atual, mas os programas humorísticos nos fazem dar boas risadas, encenando as ações de corrupção dos políticos. Sendo assim presumimos que somos melhores que eles, pois não seriamos capazes de fazer tal feito. E conseguimos desligar a TV depois de umas boas gargalhadas e colocar a cabeça no travesseiro sem grande dificuldade como se nada tivesse acontecido. Para tentar melhorar esta situação o Sensibilismo incorporou o núcleo de direito e cidadania que irá esclarecer a população de seus direitos, por meio de palestras, debates, peças teatrais, contos etc. Os temas abordados conterão noções básicas de ciência política, teoria geral do direito e do estado, sociologia e filosofia política. Acreditamos que só teremos um futuro melhor quando tivermos uma população instruída, uma população que não baixa a cabeça diante das dificuldades e luta para "entrar na lei" e finalmente alcançar a JUSTIÇA.

De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto. (Rui Barbosa)


KAFKA, Franz. O processo. Tradução de Modesto Carone. 2. ed. São Paulo: Companhia de Bolso, 2008.
Por Gileat Paulino

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Pois é, vemos que o não conhecimento da lei rege em todo pais, as pessoas são leigas ao se tratar de lei, e isto é uma vergonha, pois estes são lezados por não querer saber, ou até porque o governo não torna o texto da lei mais fácil de compreender... Mas sabemos o porquê disto, é justamente para não entender mesmo...

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